“Esquerda reduz feminismos, LGBTTI e movimentos negros a ‘pauta identitária’. Não entende que o neoliberalismo precisa de um sistema de valores que lhe dê sustentação; e que há conexão indissolúvel entre a família tradicional e a base do sistema econômico
Por Berenice Bento
—
Outras Palavras está indagando, a pessoas que pensam e lutam por Outro Brasil, que estratégias permitirão resgatar o país da crise (Leia a questão completa aqui e veja todas as respostas dos entrevistados aqui).
—
Outras Palavras está indagando, a pessoas que pensam e lutam por Outro Brasil, que estratégias permitirão resgatar o país da crise (Leia a questão completa aqui e veja todas as respostas dos entrevistados aqui).
—
“Se você está confuso, está no bom caminho”. Li alguma coisa parecida há algum tempo. Tenho certa desconfiança daqueles que têm respostas prontas para tudo que tem acontecido no Brasil. Para quem trabalha no campo das interseccionalidades não basta afirmar: “em última instância…”. Me nego a pensar o mundo a partir de determinismo de qualquer ordem, seja de classe, de raça, de gênero, de sexualidade. E ao fazer isso, também reconheço, que há um campo possível de coligação (pensando aqui com filósofa Judith Butler) das esquerdas.
Não existe apenas a elite econômica, mas as elites políticas, as elites intelectuais, sexuais e de gênero. Seria coincidência que os direitos trabalhistas e previdenciários estão sendo atacados pelo mesmo Estado que tem atacado os direitos das mulheres, censurado os debates sobre diversidade de gênero, de sexualidade? Será coincidência que aqueles/as que votaram em 17 de abril de 2016, pela abertura do processo de impedimento da presidenta Dilma, vociferam suas declarações de voto em nome da família?
“Bobagem, estas discussões (gênero, sexualidade, raça) são epifenômenos da grande questão: a de classe”, quantas vezes já não escutei isso das esquerdas organizadas em partidos políticos? De forma geral, a esquerda reduz estas questões (feminismos, ativismos LGBTTI, movimentos negros) ao que se convencionou chamar de “pauta identitária”. Sem dúvida, isolar um dos termos (por exemplo, sexualidade) e produzir uma hierarquia é não entender que o neoliberalismo precisa de um sistema de valores que lhe dê sustentação.
Como não entender que há uma conexão indissolúvel entre a família tradicional e a base do sistema econômico? Ou ainda: Seria possível Estado/mercado sem população? Ora, toda a biopolítica se sustenta em corpos funcionais à reprodução, daí a defesa da heterossexualidade e da naturalização dos gêneros como condição sine qua non para a esfera econômica. Classe social, isoladamente, não revela nada das estruturas que fazem a vida social e política acontecerem.
O modelo explicativo adotado pela esquerda hegemonicamente é eurocentrado e está fundado em uma dialética colonizadora de pares binários oposto (burguesia versus proletariado), esquecendo-se, no mínimo, que o capitalismo no Brasil nasceu dos “úteros livres” de mulheres negras escravizadas. Ainda hoje, há uma recusa em se incorporar a indissociabilidade entre classe-raça-gênero nas análises conjunturais e históricas. Por 388 anos os donos do dinheiro roubaram vidas.
Não é possível discutir a luta contra o capitalismo no Brasil, sem pautar o debate contra o racismo/gênero/sexualidade. Assim, reconheço que toda e qualquer pauta identitária fechada sobre si mesma, corre o risco das essencializações e da produção de sujeitos coletivo anestesiado para as dores dos outros. Não é exatamente isso que temos assistido, por exemplo, com o movimento LGBT de Israel, um dos braços de sustentação do Estado Apartheid de Israel? Está não é a minha luta.
Se na análise eu peço que complexifiquemos nossas análises a partir da multiplicidade de marcadores sociais da diferença (classe, raça, gênero, sexualidade) que se consubstanciam em marcadores sociais da desigualdade, no âmbito das formas de luta, sou mais tradicional: Precisamos ocupar os espaços públicos. Fazer greves gerais por tempo indeterminado. E para quê? Será que após tudo que temos assistido alguém irá continuar insistindo em “diretas já!” como a saída? Não está claro que esta democracia representativa, arranjo mal-acabado de uma suposta democracia liberal só atende ao sistema-poder? Precisamos de uma nova assembleia nacional constituinte.
Leave a Comment